quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

vós sois o sal da terra*

O workshop visava mostrar os projetos e estudos elaborados por rigorosos investigadores com o propósito de se alcançar uma cidade inteligente e sustentável. Dentro do tema formam-se grupos de trabalho, cada um com seu tema, coube-nos (APD) discutir a mobilidade, com representantes da divisão de trânsito, autoridades de controlo do trânsito (muito trânsito), empresários do setor de transportes públicos e privados. A grande questão: como atrair a população aos transportes públicos? Visando claro reduzir a utilização dos veículos próprios e com isso reduzir a poluição, o tráfego e todos os problemas daí decorrentes. Por rondas cada representante vai emitindo opinião, apontando problemas e soluções. 
Sobre soluções para pessoas com mobilidade reduzida utilizarem os transportes públicos, o que se descobriu é que a solução não passa por esse transporte. Porquê ? Faltam acessos, existem barreiras, existe pressa e má vontade e pouco lucro, pareceu-me  a razão essencial, pela forma como se eriçou um representante do setor privado, que com ironia me compara com Santo António a pregar aos peixes. Prevendo que ao sair daquela sala tudo será rapidamente esquecido e ignorado, pelos decisores, tipo ele próprio.
Coitado do senhor, que ignora a lenda que dá conta, que os peixes foram os únicos a ouvir atentamente o santo, quando este pregava contra as grandes heresias ocorridas em Itália durante o século XIII. Apesar de apreciar o exemplo de vida deste franciscano, não foi a imagem do santo que me ocorreu, mas a de Padre António Vieira e do seu Sermão aos Peixes, pregado no Maranhão em 1654, no dia em que se celebrava precisamente o santo que por os homens não o ouvirem, muda de púlpito e de auditório, mas não desiste da doutrina.
Queria eu ter uma pequena parcela do poder de argumentação e retórica de Vieira e atirar-lhe com um “ VOS ESTIS SAL TERREA * -  e o efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta com esta nossa, havendo tantos nela que têm o oficio de sal, qual será, ou qual poderá ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra não se deixa salgar”.
Claro que o contexto é muito distinto mas o padre António Vieira jesuíta e missionário, pretendia com este sermão, proteger os mais fracos ( os povos nativos escravizados), do abuso dos mais fortes ( colonizadores).
E colocando assim as coisas, não é que o dito senhor, sem saber abriu toda uma nova perspectiva de mim e dos meus sermões.
Claro que não ficou sem resposta, embora muito menos erudita, mas apoiada pelos restantes, baseada no conceito de inclusão e não de segregação dos frequentadores dos transportes públicos.
Quanto às soluções, afinal elas já foram pensadas e apresentadas. Aguardam por financiamento. Claro. Que isto não está fácil e devemos pensar numa lógica de partilha, solidariedade e equilíbrio embora vivamos um tempo de “ egoísmo coletivo”. Dizem. 
Sobre os peixes: 
“ se os pequenos comem os grandes, bastará um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande”-  Padre António Vieira 
* Mateus, capítulo 5, versículo 13

Sem comentários: