quarta-feira, 6 de julho de 2022

vai o viajante #21








O viajante está ansioso por ir, precisa de se perder na paisagem, encontrar as marcas do tempo, do homem, as criações antigas e as mais recentes. Assinalou no seu guia locais, apontou os nomes e as moradas. Não se quer perder, ainda que haja sempre espaço para a surpresa e para o engano. Na primeira paragem Tongóbriga – Marco de Canaveses – aldeia de freixo e aldeia/ escola profissional de arqueologia, foi recebido por um gato. O viajante durante algum tempo não os apreciou, mas agora eles aparecem-lhe à frente, deitam-se e rebolam e esperam a festa e o viajante não resiste. Há sua frente estão 50 hectares de ruínas arqueológicas descobertas nos anos 80, como tantas outras, que revelam a presença pré romana e romana: existência de povoados castrejos, de um balneário, termas públicas, domus, necrópoles, muralha e o mais impressionante - o coração da cidade romana, que não deixa de ser os centros/ pontos de encontro dos cidadãos das nossas cidades, aquilo que para os gregos era a ágora e para os romanos o forúm. Este fórum, apesar de não se encontrarem referências a este nos autores mais clássicos, provavelmente a localização da cidade entre Emerita Augusta e Bracara Augusta, ditou a sua dimensão 139 m de comprimento por 68,5 de largura. É um espaço amplo, ermo, verdejante e que permite a todos os viajantes, viajar no tempo. Ouvir em vez do cantar dos pássaros o burburinho de uma cidade, o encontro de pessoas para o mercado, para irem ao templo, para cumprirem rituais de bem-estar nas termas. Sempre que o viajante pensa na civilização e no vasto império romano pensa como foi possível manter coeso e unido “meio mundo”, tendo presente todos os motivos teóricos que a isso conduziram e ainda que sem incorrer em anacronismos pensa na europa nos nossos dias. Além disso há sempre uma dualidade os romanos conquistaram, dominaram, eliminaram, mas criaram leis, hábitos, construções, que são a nossa herança patrimonial e cultural. Apetece ficar no fórum mas deve seguir. Fica com uma pequena mágoa de ver o espaço musealizado com vitrines numa camada de pó daqueles em que se poderia escrever veni, vidi, vici sem qualquer dificuldade, o pouco entusiamo da “vigilante/rececionista”, sendo que já se surpreendeu tanto com “vigias”. Aproveita que está no Marco e pensa na obra do arquiteto Siza Vieira, que na cidade criou um templo da atualidade. Não devia ter ido. Todas as vias vão dar a Roma, a do viajante vai ter a uma vila Real.

Na cidade também se celebrou o S. João e nas ruas do centro não faltam bandeirinhas coloridas a lembrar os santos. O viajante não pretende demorar-se, almoça, segue por indicação uma rua do centro onde encontra uma igreja dedicada a S. Pedro. O exterior barroco lembra os concheados de André Soares e no interior destacam-se os painéis de azulejos hagiográficos do santo. Quase se esquecia, mas as suas notas levam-lho ao museu da vila velha. No caminho passa o liceu com o nome do primeiro escritor profissional português Camilo Castelo Branco que durante algum tempo viveu numa aldeia daquele concelho. Há que tirar partido destes nomes que dão maior credibilidade às ruas, às escolas, às cidades. Segue e encontra o que tinha vindo procurar a exposição de arte contemporânea A Borboleta Azul de Carlos Augusto Motta. Desde o museu há um pequeno miradouro e os supermodernos passadiços. Ao fundo o cemitério de origem romântica, criado no campo sagrado de um convento repleto de jazigos graníticos e na parede exterior um poema de saudade: São de nada/ tempestades/ante a falta/ que me fazes – david mourão ferreira. O caminho continua já.