terça-feira, 27 de julho de 2021

vai o viajante #19







O viajante não o tem sido por força desta circunstância digna de um romance distópico ou de um filme meio apocalíptico. Pois confinou-se, desinfetou-se, desconfiou-se, mascarou-se tudo num arco iris do vai ficar tudo bem... Este viajante não vai querer viajar pela pandemia, apenas fazer mais um relato pelo que recentemente visitou, não muito longe, mas que deu para encher um vazio, recuperar a energia, limpar um bolorzinho da alma*. 
O viajante estava hesitante, mas a música acabou por ser o grande o motivador. Comprou bilhetes para ouvir  Andrea Bocelli. O concerto será em Coimbra, cidade que já visitou mas da qual ainda tudo não viu. O mapa automático levo-o direto a Alta e Sophia classificada como Património da Humanidade, desde 2013, aqui se incluem os edifícios da universidade, o pátio das escolas, a torre da cabra, a biblioteca joanina coroada por uma bela vista sobre o mondego. O viajante não se espanta porque já lá tinha estado e porque vem com outro propósito. O museu nacional Machado de Castro foi também ele abrangido pela classificação da UNESCO e tem um espólio denso, único e dos mais variado de Portugal. A visita inicia-se pelo Criptopórtico Romano que é impressionante por vários motivos: o primeiro tem que ver com a própria estrutura arquitetónica romana, construída para vencer o desnível da cidade com galerias de arcos e túneis super bem conservados. Ainda há pouco o viajante teve uma aula de cidade e centro histórico e foi mencionado este recurso arquitetónico, mas o viajante jamais imaginava percorrer estas galerias que espelham toda a firmitas, utilitas e venustas das construções romanas. Claro que é impossível não pensar nos retrocessos da humanidade, que avança e cria coisas eternas e que pela mesma condição retrocede, esquece e abandona. E este museu tem qualquer coisa de abandono. O museu está no coração da cidade de aeminium – o fórum romano e é curioso que há medida que subimos no edifício encontramos todas as épocas da história da arte. É a vez da idade média, da pedra de ança, dos grandes escultores Nicolau de la Chanterne e João de Ruão e não faltam Nossas Senhoras, Anjos e Santos e até um claustro gótico. O viajante está maravilhado, sente que precisaria de muito mais tempo, porque está diante de peças que já viu em tantos manuais, em antigos slides das aulas de história de arte, e encontra o cavaleiro. Aquele cavaleiro medieval que a memória logo remete para as aulas de história medieval portuguesa. Queria ficar mais tempo, mas há tanta coisa ainda a ver. Segue para uma área onde estão vários retábulos renascentistas. São enormes pertenciam a conventos e mosteiros da região. Lembra o convento de Santa Clara Velha inundado pelas águas do mondego que obrigaram a que se construísse um novo. Depois há um conjunto de esculturas em terra cota dedicadas à paixão de cristo, pinturas, trípticos, relicários, ourivesaria litúrgica e azulejos decorativos e didáticos (e destes nunca tinha ouvido o viajante falar) com os hemisférios celestes, fórmulas matemáticas e geométricas. Há mais salas e uma menção a Machado de Castro que foram vistas muito a correr e que deixaram com pena o viajante, ainda mais porque já não são horas de adquirir o livro/catálogo, as portas estão abertas para os visitantes abandonarem o abandonado museu. A alta e sophia não se encerrou há ainda uma sé aberta. Curioso, as cidades terem duas sés para um só bispo. Há cidades que transformam igrejas em sedes de bispado por ser recente a sua diocese e outras que uma não é suficiente. Ao que parece em Coimbra a velha sé românica é agora igreja paroquial e serve de cenário para as serenatas. O bispo tem a sua cátedra na igreja do antigo mosteiro das onze mil virgens, desde 1772, altura em que o marquês expulsou a Companhia de Jesus do reino. Correção! o marquês não. foi o rei D. José I. Os jesuítas expulsos, o cabido instalado acrescenta barroco à fachada e à capela mor, com os órgãos de tubos e outros retábulos que enchem os olhos dos visitantes. A leitura é do livro da sabedoria, uma das preferidas do viajante, e o celebrante sem ares de estrela rock, fala sobre os justos, a boa nova do novo testamento e sobre os que redivivem " Talita Cum".

* A cidade e as serras - Eça de Queirós;
* Sb 1, 13-15; Marcos 5, 21-53

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