segunda-feira, 1 de julho de 2019

aquela casa fechada *

Por muito tempo amarei casas que existam apenas
para guardar uma bicicleta ou os remos de um bote
As casas interessantes não tem pretensão nenhuma
estão perto de nós na hora necessária
mas a qualquer momento
com mais clareza
afastam-se das certezas que perdemos
e da imensidão que se avista de lá.
Um velho provérbio diz:
se deres um passo atrás, talvez te coloques a tempo
de uma estação clemente. *

A imensidão da minha infância foi naquela casa, naquele terreiro, naquele quintal. Já era velha naquele tempo em que não se exigia luxo e só imperava necessidade. Não me lembro de frio ou calor, mas nunca esqueci as cores das paredes toscas, o tecto em madeira, a janela da cozinha, o sofá da sala que combinava com a cortina que dividia um espaço. Lá fora o terreiro e o tanque, o quintal com laranjeiras, as flores da avó e as vizinhas. Havia uma que não esqueço. Tinha nome angelical, ouvia quase nada e perto do meio-dia vinha perguntar as horas. Tratava o meu pai por menino. As alminhas picavam-lhe imenso, arregaçava  as várias camadas de  roupa e coçava a pele até abrir ferida. Depois veio a necessidade de espaço com divisões e maior conforto. E na casa velha ficaram as bicicletas. E mais ninguém. 

aquela casa fechada,
onde o sol tinha morada
e entrava sem saber

* antónio zambujo 
* viajante sem sono - josé tolentino mendonça


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