para guardar uma bicicleta ou os remos de um bote
As casas interessantes não tem pretensão nenhuma
estão perto de nós na hora necessária
mas a qualquer momento
com mais clareza
afastam-se das certezas que perdemos
e da imensidão que se avista de lá.
Um velho provérbio diz:
se deres um passo atrás, talvez te coloques a tempo
de uma estação clemente. *
A imensidão da minha infância foi naquela casa, naquele terreiro, naquele quintal. Já era velha naquele tempo em que não se exigia luxo e só imperava necessidade. Não me lembro de frio ou calor, mas nunca esqueci as cores das paredes toscas, o tecto em madeira, a janela da cozinha, o sofá da sala que combinava com a cortina que dividia um espaço. Lá fora o terreiro e o tanque, o quintal com laranjeiras, as flores da avó e as vizinhas. Havia uma que não esqueço. Tinha nome angelical, ouvia quase nada e perto do meio-dia vinha perguntar as horas. Tratava o meu pai por menino. As alminhas picavam-lhe imenso, arregaçava as várias camadas de roupa e coçava a pele até abrir ferida. Depois veio a necessidade de espaço com divisões e maior conforto. E na casa velha ficaram as bicicletas. E mais ninguém.
aquela casa fechada,
onde o sol tinha morada
e entrava sem saber
* antónio zambujo
* viajante sem sono - josé tolentino mendonça
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